top of page

1ª Entrevista - Psicomotricista Jorge Guerreiro

  • Foto do escritor: Palavra Psicomotricista
    Palavra Psicomotricista
  • 10 de ago. de 2017
  • 8 min de leitura

O nosso primeiro entrevistado, licenciado em Reabilitação Psicomotora na Universidade de Évora, é normalmente reservado mas divertido e obstinado por natureza. Descobriu a Psicomotricidade por si, pouco a pouco e quando percebeu o quão podia dar as pessoas, fez dela uma parte da sua vida, tal como fazemos quando gostamos de algo ou alguém. Mergulhando de cabeça, arriscou, aventurou-se e superou as expectativas de todos e numa área ainda hoje tão incerta no nosso pais. Humildemente e com muito investimento próprio muito faz àqueles que mais precisam. Terapeuta, trabalha através do lúdico, fomentando a autonomia, o corpo no espaço e no tempo, valorizando no grupo e no indivíduo, as diferenças e as igualdades. Afinal, não é isto ou aquilo, fazendo juz ao nome é um Psicomotricista.

1. Porquê ser Psicomotricista? Fale-nos um pouco sobre o seu percurso e relação com a psicomotricidade.

Penso que ser Psicomotricista, não se escolhe simplesmente acontece e foi um pouco isso que aconteceu comigo, segui os meus estudos como qualquer adolescente até ao 9º ano, ingressando depois num curso profissional de Animação Sociocultural…já neste tempo mais precoce de uma decisão para o futuro. Esta passou por um possível contato com diversas gerações e a intervenção direta com miúdos e graúdos no desenvolvimento de atividades, este contacto sempre me cativou e me prendeu neste caminho pela descoberta do “outro”. Passados três anos tentei mais, e foi aí que a Psicomotricidade se cruzou comigo, ou quem sabe eu com ela. Poderia ter qualquer curso, mas certamente que nenhum me chamou a atenção e despertou tanto interesse como o meu, como o nosso.

Só fazia sentido assim, e seria este o caminho que escolhi para mim, continuar ligado ao “outro” ajudar, dar de mim, mas acima de tudo conseguir receber o que de tão importante trago para casa todos os dias, depois de mais um dia de trabalho, o sentimento que tive desde cedo e que ainda hoje tenho, de que iniciei um projeto pessoal, talvez uma coisa inata que tenha nascido como o sentimento de estar perto e ajudar o outro, que amanhã certamente será um dos meus e um dia serei eu.

2. Quais os contextos em que atualmente se encontra a desenvolver o seu trabalho?

Atualmente estou a desenvolver a minha prática psicomotora em escolas, realizando acompanhamento a crianças com idade escolar com diversas patologias, onde o trabalho em equipa está sempre presente, assim como a ligação com os encarregados de educação e toda a equipa que trabalha e acompanha a criança. Esta intervenção é realizada em contexto de escola ou em piscina.

Desenvolvo também trabalho em Lar/Centro de dia, um trabalho fascinante junto de uma população mais crescida, mais direcionada para as Atividades de Vida Diárias (AVD´S), e estimulação cognitiva, onde o principal objetivo é sem dúvida retardar ao máximo a perda de todas as competências da pessoa, adquiridas ao longo da sua vida.

3. As áreas em que trabalha são as que gostaria?

Sem dúvida que sim, qualquer Psicomotricista, que tal como eu goste de aplicar todos os seus conhecimentos adquiridos no decorrer da formação, mas fundamentalmente ao longo dos dias, já no terreno só pode estar satisfeito tendo em conta a possibilidade que tenho tido até hoje de crescer e aprender. Felizmente já conheço algumas das realidades relacionadas com as diferentes áreas de intervenção da Psicomotricidade tendo em conta os díspares contextos sociais, ambientais e até pessoais onde já desenvolvi a minha função ao longo deste curto espaço de tempo que trabalho como Psicomotricista, que ao mesmo tempo parece já ser “uma vida” tendo em conta a quantidade e qualidade das experiências que a Psicomotricidade já me possibilitou viver.

"Mas sem dúvida que há diferenças

que distinguem a prática

de Psicomotricidade e Gerontomotricidade."

4. Quais são as grandes diferenças que ambos esses contextos exigem à sua intervenção enquanto Psicomotricista?

São contextos diferentes, mas que ao mesmo tempo se completam e nos completam. Mas sem dúvida que há diferenças que distinguem a prática de Psicomotricidade e Gerontomotricidade. A maior diferença é sem dúvida a forma como se faz, e a forma como se aborda determinado assunto. Quando falamos de uma criança, conseguimos solicitar e impor a realização de determinada atividade, mesmo que num primeiro instante essa atividade não esteja a ser na sua totalidade do agrado da criança. Com um idoso isso é mais complicado de contornar, os termos e a forma como lhe é solicitado tem de ser previamente pensado, pois, cada um deles tem a capacidade de argumentar, se o seu estado psíquico o permitir, assim como a hierarquia da sua idade, o “ser mais velho”, “mais crescido”, como eu prefiro chamar, e esta é a principal diferença, tudo o resto acaba por se cruzar e complementar nas diferentes intervenções.

5. Distinguindo facilidades e dificuldades, o que é que em ambos os contextos de trabalho é mais fácil e mais difícil de concretizar?

No decorrer da minha prática, já me deparei com situações complexas nos diversos contextos, pois, todos nós temos dias bons e menos bons, existem fatores que acabam por vezes, e até de forma inconsciente, condicionar a nossa intervenção. No meu entender a maior facilidade que encontro no trabalho desenvolvido em Lar/Centro de Dia é a possibilidade de comunicação e exteriorização de angústias ou de felicidade que se apodera de cada utente em determinado momento, e isso é crucial para que a sessão possa ser produtiva ou não, estar a desenvolver uma atividade em grupo onde 70% do mesmo se encontra num dia menos positivo pode condicionar a sessão de todo o grupo, é importante entender as condições emocionais de cada pessoa sessão a sessão. Com as crianças, a Psicomotricidade flui de forma gradual, onde o lúdico está sempre associado -pelo menos nas minhas sessões- o que permite cativar e desenvolver uma relação terapêutica fantástica junto das crianças sem exceção.

"... temos de ser tolerantes e acima de tudo

pensar que estamos a cuidar, a implementar hábitos

que muitas das vezes estão lá, mas estão escondidos

e que apenas com tolerância, persistência, entrega, disponibilidade e confiança pessoal conseguimos ser Psicomotricistas."

6. Quais são as competências essenciais que acha um Psicomotricista deve ter para trabalhar em cada um dos contextos ou na generalidade enquanto Psicomotricista?

Penso que acima de tudo devemos ser humanos! É simples… Penso ser esta a palavra que descreve a minha forma de observar e de analisar a Psicomotricidade. Não basta gostar e “beber” dos livros que nos chegam cada vez mais sobre a nossa área, e atenção - ainda bem que assim o é - pois eu também gosto e sinto necessidade de o fazer, saber, aprender. Contudo temos de ser tolerantes e acima de tudo pensar que estamos a cuidar, a implementar hábitos que muitas das vezes estão lá, mas estão escondidos e que apenas com tolerância, persistência, entrega, disponibilidade e confiança pessoal conseguimos ser Psicomotricistas. Temos de ser, e isso trabalha-se, desenvolve-se com o passar das sessões e com as inúmeras barreiras que temos de contornar no decorrer do nosso caminho enquanto técnico, enquanto amigo, enquanto figura de referência não só das crianças e dos seus pais, mas também dos idosos e dos seus filhos. Basta pensarmos que amanhã somos nós os pais, e somos nós aquele idoso que um dia nos pedia mais paciência apenas com um olhar, um dia seremos nós.

7. Como vê a relação entre Psicomotricistas e outros terapeutas, ou outros técnicos?

A meu ver a Psicomotricidade está cada vez mais presente, mas equipas multidisciplinares e a nossa entrada enquanto Psicomotricistas está a ser feita de forma gradual o que permite, na grande maioria das vezes, um entendimento por parte da restante equipa e empregadores das nossas funções enquanto profissionais. Penso que a relação é boa e saudável. Pela experiência que tenho é crucial que seja feita, ainda que de forma informal, uma compilação das nossas funções para que possa ficar bem claro entre outros técnicos, onde é que cada uma destas áreas incide diretamente e que cada um de nós tem o seu valor, importância e o seu espaço específico de intervenção. Penso que funciona bastante bem e que cada vez mais somos uma realidade.

"Penso que o que deveria ser obrigatório

na formação Psicomotora seria

um contato prévio com a

realidade que vamos encontrar"

8. Em relação à formação académica do Psicomotricista, pode dar-nos a sua opinião? O que acha que não deve faltar?

No meu entender, a formação que recebemos é bastante enriquecedora em conhecimentos e adapta-se na perfeição às necessidades que sentimos no terreno quando iniciamos a nossa prática no terreno, ainda que estas necessidades de que falo possam variar em função do contexto, do público com que trabalhamos e até com a própria equipa onde estamos inseridos, se for o caso.

Penso que o que deveria ser obrigatório na formação Psicomotora seria um contato prévio com a realidade que vamos encontrar, a vivência da prática psicomotora ainda que seja apenas como observador de uma realidade, que se esconde por vezes entre os livros, para que cada um de nós consiga experienciar os desiguais contextos interventivos onde o Psicomotricista pode interceder, pois, só desse modo conseguimos realizar a ligação da teoria à prática, que irá ser bem mais clara quando fazemos a ponte para o vivenciado e observado no terreno.

0

9. Fora a formação académica que teve, como investiu na sua formação por iniciativa própria?

Tendo em conta toda a formação que é realizada e experienciada no decorrer da licenciatura, é necessário continuidade da mesma, aprender, viver, observar, experienciar, todos estes fatores fazem parte de uma formação quase obrigatória e que fazemos de forma inconsciente. Tenho por hábito afirmar que a melhor formação que qualquer profissional pode ter é “fazer”. Tento sempre que possível integrar palestras, formações que possam de alguma forma enriquecer os meus conhecimentos e currículo, pois, a nossa área é relativamente recente e há uma necessidade constante de acompanhar a evolução da intervenção, estratégias, instrumentos de avaliação e a forma de educar o nosso corpo no contato com o outro e na relação. São situações que se trabalham e se adequam com a experiência e partilha de informação que conseguimos obter entre os mais diversos profissionais ligados à Psicomotricidade e restantes colegas que integram as equipas multidisciplinares nas quais estamos cada vez mais incluídos.

10. Como se vê no futuro?

Há uma forma de estar que me caracteriza, temos de pensar que o amanhã vai ser um pouco melhor que hoje e é desse modo que me vejo a desenvolver a minha prática junto de crianças e jovens assim como a ajudar e a intervir nas necessidades sentidas pela população mais idosa, pois cada vez mais os cuidadores destas populações estão despertos para a nossa área e tentam saber cada vez mais sobre ela, e cabe a cada um de nós a afirmação enquanto profissionais de uma área que pode e é muito importante na aquisição e manutenção de competências desde os primeiros anos de vida.

"Não desistam, insistam,

repitam as vezes necessárias, nós não somos “isto ou aquilo” somos Psicomotricistas."

11. Que conselhos daria a futuros Psicomotricistas, ou mesmo a novos Psicomotricistas?

Os conselhos que consigo dar a futuros profissionais da área são apenas fruto da minha experiência como profissional e como ser humano. A escolha que nos remete para a Psicomotricidade enquanto área de trabalho deve ser pensada e principalmente entender previamente o que é “isto” da Psicomotricidade para que quando ingressamos na área consigamos fazer a ponte dos conhecimentos para uma realidade bem presente do que vamos encontrar e não para uma possível profissão que se encontra na nossa mente ainda de forma abstrata, devemos perguntar, questionar amigos, profissionais que já estejam a exercer para que a escolha seja feita de forma assertiva e coerente. Para mim, o grande segredo de um Psicomotricista é a capacidade de ser feliz a ajudar os outros. Não se esqueçam que é necessário repetir, e marcar constantemente a posição da Psicomotricidade entre os diversos técnicos e profissionais que trabalham diretamente connosco! Não desistam, insistam, repitam as vezes necessárias, nós não somos “isto ou aquilo” somos Psicomotricistas.


Comments


bottom of page